À conversa com Zulmira


Com os dias mais quentes, sabe bem uma pausa na lavoura, quase ao final da tarde.
Visita-me a morsa Zulmira, que tem uma loja de espiritualidades ali perto, junto à nacional duzentos e seis.
E como sempre acontece, ao lanche toma-se um chá de anémonas secas, que vai bem com os biscoitos de araruta. Com os seus oitocentos quilos, Zulmira só poderia ter uma sabedoria tranquila que muito me apraz, dando à conversa um tom de melodia bem medida.
Apenas me irrita um pouco aquele hábito de pontuar as frases com um arroto generoso a um palmo da minha cara. O fedor levanta um morto, mas evito a fuga porque sei que entre as morsas aquilo é sinal de boa educação e afecto sentido. Uma 'oferta de maresia', dizem. Por algum tempo ficamos no patati patatá, olhando os montes rapados ali à volta, onde só crescem umas árvores esqueléticas com três ramos que rodopiam.
Nesta última visita a conversa fluiu em desfavor dos humanos. Segundo Zulmira, não é por acaso que a nossa grande obsessão se relacione com a procura de um propósito. Trata-se, assegura, de um efeito colateral algo infeliz da forma especializada como o nosso cérebro se transformou em tempos recentes, privilegiando a muleta do nexo de causalidade. Vantajosa, sim, a muleta, por conferir alguma habilidade preditiva. Mas andando quase sempre a par com a intencionalidade do sujeito que a usa, por ser uma ferramenta tão útil dessa intencionalidade. E o que começou como casamento de conveniência acabou estampado a quente no desenho dos axónios, de tal forma que já nem precisamos de sujeito para encontrar intencionalidade, ela ganhou vida própria. O que, ainda segundo Zulmira, é visto como extraordinário e um pouco pateta pela generalidade das outras espécies, às quais nunca passaria pela cabeça nada que se afastasse do mais absoluto vazio de sentido.
Deixando-me com uma última oferta de maresia, lá foi fechar a loja.

 
 
 



Eu, federasta me confesso.

Replicava por vezes desta maneira há uns anos atrás, nas inúmeras discussões no pt.soc.politica em que os defensores da união política plena eram invariavelmente mimados com insultos.
E a frase veio-me à memória mais uma vez, ao assistir à participação de Luís Amado no Olhos nos Olhos de hoje.
Na verdade, o ponto de situação que este fez corresponde quase ponto por ponto ao que naquela altura era já a hipótese mais plausível, a de uma UE que mais tarde ou mais cedo se veria confrontada com uma reorganização planetária do sistema económico que implicava o seu declínio rápido, sem estar dotada dos meios políticos para conter as forças centrífugas que inevitavelmente surgiriam.
E a maturidade ( incluindo alguns sinais de fraude ) do raciocínio exposto por Luís Amado, como já aconteceu com declarações recentes de outros personagens tão ou mais sinistros, leva-me a concluir mais uma vez que as hipóteses plausíveis foram de facto analisadas em devido tempo.
E é curioso que todas essas libertações a conta-gotas dos aspectos mais relevantes sempre chutam para canto a dad altura, como se as implicações subsequentes não existissem.
Desta feita tivemos a oportunidade de ver a apresentação de duas linhas cosméticas distintas, o que não é habitual... De um lado, Luís Amado com uma visão idílica que se inevitavelmente se realizará quando, depois de consumada a união de facto ( uma vez que ele passou a certidão de óbito ao casamento federasta ) entre os europeus desavindos, estes se sentarão à mesa com chineses e americanos para estabelecer um entendimento de longa duração para partilha do lago plácido que sucederá ao mar revolto do reajustamento planetário. Do outro lado, Medina Carreira, cada vez mais enquistado na numerologia, brandindo o espectro do bicho-papão da energia e de um desejo mal contido do proteccionismo que nos há-de salvar.
Parecem-me ambos entender-se num ponto que não referem, o da rejeição da possibilidade de o sistema económico ser um jogo de soma zero. Gostaria de poder partilhar desta fé, mas infelizmente suspeito que, quando observada num espaço de tempo suficientemente largo e numa escala global, a economia de mercado faça quá-quá, bata as asas e tenha um bico tão achatado como um jogo de soma zero. Ou pior.
Em qualquer caso, enquanto espero por mais revelações fantásticas sobre como chegámos aqui e sobre o que nos espera, vou insistindo no meu federastismo.
A união política plena dos membros da UE é um instrumento crucial, independentemente dos projectos de direita ou de esquerda que possa começar por servir. E deveria ser reclamada a plenos pulmões pelos povos da Europa.

Um voto

Fascinou-me em miúdo a súbita mudança que percebia, sem a entender. Iniciava-se a década de 70 e por toda a parte surgiam pessoas e projectos de modernidade luminosa, contrastante com a beatice mórbida que a precedera. Num ápice, uma classe média jovem, educada e bem sucedida pressentiu e testou o seu efectivo poder num pronunciamento militar que quase lhe escapou das mãos, prosseguindo depois para uma lenta asfixia de projectos que lhe eram alheios, fossem os dos proletários, os da linhagem republicana ou os de algumas das élites de outrora.
Ao longo de trinta e cinco anos o seu número cresceu sem parar, tal como cresceu também o seu fascínio pelo novo poder, cedo teorizado como direito absoluto, como espólio devido a cada mercenário da gravata numa guerra onde vale tudo. Valeu tudo, de facto. De tal forma que, já nada havendo para arrebatar, esse exército imenso não parou, mesmo sabendo que traía os seus próprios filhos.
Chatice, a ilusão parece ter-se evaporado, restam apenas um vendedor de sapatos e um beato devoto de Nun'Álvares a fazer as vezes de governantes dum lar disfuncional.
Um deles é agora candidato, a par com um republicano ressabiado e já um pouco esquecido dos combates que em tempos quis travar. Gente desinteressante, que não percebe que quer dar novo fôlego a um cadáver.
Que pode então fazer esta classe imensa, agora que deixou de ser locomotiva e passou a ser carruagem ? Nada. Não tem capacidade para qualquer renovação ideológica, teria muito a perder se o fizesse e, pior ainda, fez questão de abafar toda a dissenção dos seus pares e de inculcar nos seus filhos a sua frivolidade, o seu vazio de idéias. Não admira portanto que não haja nenhum leque de formações onde a geração seguinte possa alicerçar os consensos que lhe proporcionem soluções credíveis, será necessário esperar alguns anos até que os construam.
Entramos então num período de nojo, será interessante que nalguma das instituições do estado haja alguém com a credibilidade suficiente para ir chamar a geração seguinte e ao mesmo tempo tenha a humildade suficiente para não se armar em tutor. Talvez Fernando Nobre o possa fazer. É por isso, e apenas por isso, que lhe entrego o meu voto.

A montanha pariu um átomo ?

Primeiro, foi o entusiasmo. Depois interesse contido. Por fim, um misto de encanto e desencanto, e tudo por causa de um átomo. Eu explico...
O primeiro anúncio da NASA era críptico, não se percebia se poderiam estar ou não a falar de sinais indirectos de vida num outro ponto do sistema solar, provavelmente num satélite de Saturno. Como o cenário é geralmente tido como minimamente aceitável, deixei-me empolgar. No meio da especulação, apareceram logo de seguida sugestões sobre possíveis traços de actividade metabólica invulgar, aqui mesmo no nosso planeta. Passei ao modo de contenção, uma vez que essa sugestão não seria nova e certamente que tudo se iria mais uma vez reduzir a uma interminável discussão sobre caganitas de três mícrons que afinal podem ser concreções normalíssimas da silva.
Para acabar com o mistério, assisti a uma parte da conferência, para ser confrontado com algo que não é propriamente um ovo de Colombo mas que é ao mesmo tempo um ovo de Colombo...
Antes de mais, um apontamento. Tudo isto pouco ou nada teve a ver com homenzinhos verdes, mas uma vez que é a NASA a pagar a factura da investigação, talvez tenha achado apropriada a encenação para garantir que a torneira dos financiamentos se mantém aberta. Há que fazer pela vida, é certo, mas o tiro de canhão saíu pela culatra, obrigando a NASA a pedir desculpa pela expectativa excessiva que criou.
Passemos ao resto, então... Por um lado, fico feliz por ver mais uma fronteira desmantelada, a da estanqueicidade química das estruturas fundamentais do nosso ramo da árvore da vida, que se junta às ruínas de coisas de maior complexidade, como as espécies. Mais umas noites de insónia para os teólogos, o que é sempre bom. Por outro lado, esperaria que para além de um mísero átomo de arsénio nos fosse revelada uma estrutura alternativa ao DNA. Plonc. Desilusão.
Mas ainda assim... Que delícias nos esperam, sabendo agora que a margem de tolerância é bem maior do que pensávamos, e que afinal mesmo algumas moléculas de perfil rebuscado podem ser codificadas com tranquilidade por um DNA manco ?
Não obtivemos nenhuma resposta, obtivemos antes novas perguntas.
O que, feitas as contas, é bem mais divertido.

Batman e Robin amuam

Na relação quase edipiana entre o ex-presidente Putin e o filho de Putin que de momento assegura a presidência, Medvedev, há também espaço para momentos de aconchego.
Juntinhos, rebelam-se agora contra a etiqueta de Batman e Robin que os diplomatas americanos lhes pespegaram. Que bem lhes fica o amuo...

Wikiloucos

Um frenesim. Amazon, EveryDNS, agora a PayPal ...

Não havia necessidade, o melhor está ainda para aparecer. Até aqui, nada de novo veio a público, trata-se acima de tudo de corroboração oficial de informação já veiculada pelos media de segunda linha.
E sendo informação oficial, já não podem os media da primeira linha continuar a fugir à sua divulgação, por muito que lhes custe... Perante este drama, as chancelarias entram em pânico e, como é óbvio, de imediato descascam o fino verniz de civilidade com que habitualmente se apresentam, pegam num cacete e passam ao plano B, o da repressão directa e indirecta.

Coisa curiosa, a argumentação em defesa da censura, que começou pelo grave perigo de estarem a ser colocadas vidas em risco... Dados os cuidados da equipa do Wikileaks, é pouco provável que isso venha a acontecer, mas logo aqui vale a pena perguntar onde estava esta gente tão apoquentada, por exemplo aquando das convulsões políticas iranianas. Não é difícil responder, estavam na linha da frente da divulgação e amplificação de toda a informação que saísse do Irão, sem qualquer cuidado na sua verificação e muito menos na garantia da segurança de quem a disponibilizava, uma incúria que custou vidas.

Posto isto, qual é afinal o valor real de toda a informação que agora está a ser revelada ? Bom, ela é essencialmente política e revela não só uma parte substancial da animalidade que preside às relações entre estados como alguns amores ilícitos nas camas do poder.

Quanto aos amores ilícitos percebe-se o reboliço, os cidadãos podem por vezes irritar-se quando encontram os seus representantes gemendo apaixonadamente nos braços do poder económico. Mas a irritação dura pouco, geralmente, e logo os cidadãos amansam e aceitam de bom grado a reposição da canga. Temos em Portugal abundância de exemplos desse fenómeno.

Quanto à animalidade, percebe-se que ocorra em regimes despóticos. Não se percebe no entanto em regimes democráticos, supostamente alicerçados numa superioridade moral fartamente apregoada. E aí convém perguntar se os poderes que agora se movem em defesa dos segredos da realpolitik estão isolados ou se, na verdade, ao tentar reprimir a publicação, não reflectem afinal a anuência do cidadão comum quanto à ocultação dos pormenores mais sórdidos da defesa do interesse nacional, da qual é beneficiário. Os estados-nação são pródigos nestas aberrações, talvez a questão seja pertinente.

Seja como for, joga-se aqui mais uma fatia da liberdade de informação. E para os vários poderes, o cenário é simples de entender e gerir... Assuste-se o pobre cidadão com os horrores da imprevisibilidade de uma informação livre, e logo ele aquiescerá à imposição de novas medidas censórias, sem por um momento pensar nas consequências de longo prazo. Desde que isto seja feito por etapas, funciona sempre. Passo a passo, também a Internet vai sendo domesticada.

Esta é a minha terra bem-amada


Para os que já quase perderam a memória da sua gente, ou para os que nunca chegaram a tê-la, Tradisom,  RTP e Público editam agora as filmagens de muitas das recolhas de Giacometti. Ouçamos estas vidas, fiadas em lugares sem distância ou tempo.

Asia Despatch, finalmente

Nasceu há poucos dias, ainda gatinha mas tem um toque de Midas, isto é, tem potencial para se tornar um quiosque de passagem obrigatória para quem pretenda informar-se sobre os nossos vizinhos do ocidente asiático.
Trata-se do Asia Despatch , um projecto editorial encabeçado por Syed Saleem Shahzad, um repórter com uma produção notável e um conhecimento detalhado de alguns dos assuntos mais significativos daquela zona do planeta.
Ao concentrar a produção num único ponto, este projecto poderá garantir, finalmente, a disponibilização para os cidadãos ocidentais de um conjunto de informações e comentários que até aqui se perdiam em nichos dispersos. Ouçamos então estas vozes.

Overdose

Mark LeVine espanta-se, na Al Jazeera, com a ausência de sinais de revolta perante o manancial de provas de abuso publicadas pelo Wikileaks. Bom, não será na verdade esse espanto que é espantoso ?
Os cidadãos ocidentais ( pelo menos ) vivem sob um regime de administração de informação por via intra-venosa baseado no sensacionalismo simplista, não na reflexão e muito menos na apreciação de grandes volumes de dados. E se as centenas de milhar de registos publicadas pelo Wikileaks podem fazer as delícias dos activistas mais laboriosos, para todas as restantes almas os problemas desta natureza tornam-se enfadonhos em três tempos, graças a dois pequenos pormenores...
Por um lado, a banalização crescente das abordagens éticas, que, cada vez mais semelhantes ao fast-food, se apresentam ao consumidor numa embalagem com prazo de validade curto, a das causas. Incapaz de qualquer elaboração teórica, o pobre cidadão é solicitado para uma sequência infindável de acções desconexas, e cedo se fatiga e retorna à Playstation. Conviria a qualquer activismo ter presente que o sucesso exige um empenho de longo prazo, não um flirt. E esse empenho de longo prazo só pode ser obtido num quadro ideológico minimamente abrangente e credível, coisa que por ora não abunda por estas bandas.
Por outro lado, a sempre presente cumplicidade. Estamos perfeitamente acomodados à idéia de transferir para o estado o direito ( e a culpa, quando a coisa corre mal ) de executar as tarefas sujas que se mostrem adequadas à defesas do nosso status. Quaisquer que sejam essas tarefas sujas. Sim, representamos a cena da virgem ofendida quando nos mostram os aspectos mais cruéis, mas limitamo-nos a bocejar quando se trate de aspectos meramente cinzentos. São muitos séculos de prática...
Precisaríamos de reflectir sobre a campanha imperial no Iraque, dado que o rasto será visível ao longo de todo este século, demasiado visível. Mas até ao momento não o fizemos, e a overdose de brejeirices a la Wikileaks acaba por nos afastar ainda mais dessa reflexão.

A casa da Mariquinhas


No plano de fundo, as grandes linhas de tendência global. Nítidas desde há décadas, e no entanto persistentemente desvalorizadas.
Num plano mais próximo, regional, a afirmação clara da subalternização dos países periféricos, aos quais se reserva o destino de serem os primeiros a cair.
E no plano local, a coisa. A coisa pública, entenda-se. E é neste plano local que as atenções se concentram agora, estritamente, seja pela urgência ou pela incapacidade para olhar um pouco mais além.
Num jogo de cumplicidade sustentada, os cidadãos portugueses deixaram-se encantar pelos seus próprios devaneios de arrivistas, dando aos dois maiores partidos burgueses, ao longo de mais de trinta anos, a legitimidade para submeter o estado aos interesses do mais primário egocentrismo. Uma cegueira absoluta face ao interesse colectivo, um desdém absoluto pela necessidade de um contrato social equilibrado, um endeusamento absoluto do liberalismo sob o capote de um alegado desaparecimento das ideologias.
Esquecemo-nos de que esse endeusamento do liberalismo desemboca necessariamente em dois momentos sucessivos. Um primeiro em que o estado ( que num momento de alucinação se poderia tomar como emanação do colectivo ) se transforma em instrumento de extorsão às mãos dos grupos mais capazes. Um segundo em que o estado se desagrega, depois de esgotadas a autoridade e a capacidade financeira para sustentar o seu próprio funcionamento.
Estamos agora na fronteira entre estes dois momentos. Estamos de parabéns.

The conference

Make or break ?...
Well, probably not so drastic, but this conference is much valuable, irrespective of its sponsor's intentions. Indeed, at this critical point, the age-old game of pretending that jews around the world had no say about israeli policies is over, as the conference publicly aims precisely at fine-tuning positions of the jewish communities as a whole.
If for nothing else, at least on this issue this conference already has a strong political value.
And one hopes that jewish representatives, from the US but particularly from Europe, make a clear statement. After all, Israel was born from the european ideological pool of 150 years ago. And, caught in the middle of a deep change in moral values, the entire project should have been carefully revised in recent decades. It wasn't, and as result Israel became the much dubious achievement one can see today, and which is only destined to worsen very quickly.
Not a light responsibility in front of History, it must be admitted, but paternity cannot ( or shouldn't, at least ) be denied. So let's see what comes out of this conference, if jews from around the world choose to abandon the smoke screens in favor of moral clarity or if, instead, they choose to play around for some more time.

Citizenship required

Signs are all over, and Meshaal put it clearly today when he said the Palestinian people 'will not feel bound by the outcome of these negotiations, because the Palestinian negotiators renounced their demands'.

How come ?
In 2002, the arab world coalesced around a balanced proposal, one that would respect the existence of Israel. Not only has the arab world kept the proposal on the table since then, but it also gained an ever increasing support from other countries around the world, a support that today is almost unanimous.
The reason is simple, any alternative is bound to generate tremendous suffering and, eventually, generate a cascading involvement of other countries, including major powers, in open war. The threshold point has probably been already reached, a point when hope for of a political solution disappears and the strain of the desperate situation of the palestinian people, submitted to a permanent status of second-rate human beings, combined with the visible and inevitable descent of the israelis into the demential logic of racism, raises the chances for a rapid increase in the quantity and severity of violent actions.
This situation has been predicted many times in the recent past, by members and supporters of both camps. If there is something surprising is the fact that the threshold point appears to have been reached earlier than expected, and one can speculate on the role played by the most recent electoral results in Israel and the USA.
It would be reasonable to expect important developments at this point. For several reasons, it is probably too late for the conflicting parties to reach a balanced deal by themselves, and that's why it seemed so important to have a strong consensus around the framework that would guide any negotiation, as it was clear that in the absence of that framework any negotiation would be either a fraud or a never ending talk show.
The worst scenario has now materialized, we're diving in direct talks without preconditions.
How did this happen ?... Well, ther merit goes, first, to Bibi and his external supporters, who, in a few weeks, managed to dismantle all successive strategies drawn by the USA and the other members of the string quartet, a useless band of poor soloists. Second, the merit goes also to the two main jewish groups that in the USA and in the EU supposedly should have raised an inequivocal voice supporting the saudi plan. Having failed to do so, they left western powers without a vital element to strenghten the political pressure required.

Here we are, then, at the edge of a new failed peace process. Meshaal is right, an unbalanced deal will be a pathetic exercise, and will hopefully be discarded the day it is signed, or simply made irrelevant by later events.
Everyone knows what's at stake, and so there's a lot of work to do, starting now. And for us citizens, the first thing to do would be to watch closely the talk show by sending a petition, at least to to the PA, to conduct a fully open negotiation. That is to say, all proposals on the table should be immediately made public, so the citizens of the entire planet can understand the process.
And why should it be made this way? Because if a balanced deal cannot be reached in one year, the only remaining peaceful alternative will be the UN Security Council.

Iran, a year later

The astounding wave of protest that followed the election led many, inside and outside Iran, to believe that a revolutionary movement was on the making, based on widespread discontent and sparked by clear signs of vote rigging.
An impressive amount of people took to the streets in Teheran and other cities, showing day after day their determination.
And this euphoria, combined and reinforced by a large external community of supporters, in fact led those involved to believe it was possible for this crowd, composed mainly by an educated urban middle-class, to bring down Ahmadinejad and, with him, the ideological walls containing iranian society.

But soon, there was an unmistakable sign that the euphoria wasn't based on a sound assessment of the correlation of forces between the distinct groups. An appeal to a general industrial labourers strike clearly failed, revealing a significant difference in class perceptions and aims, and therefore a united front couldn't be built. At the same time, the armed forces clearly opted to stay out the game. From then on the opposition was objectively isolated, and at that point it would have been wiser for it to move more carefuly and avoid a needless exposition of its most vocal and idealist young elements. A few warnings came out, but went unnoticed or were simply ignored.
The rest is well known... Increasingly, the movement had to rely on the dubious support of dissenting sectors of the establishment, which had neither the will, and probably neither the power, to engage in a deep change of the foundations of the islamic republic.

One could say that even without major economic troubles, the iranian regime is pregnant with its own killer. No doubt, development needs can't be fulfilled without the education of larger and larger segments of iranian youth. And with it, inevitably, as the resulting middle class grows, so will grow its claims and its strenght, increasingly destabilizing the regime. But this dynamic alone won't produce effects in less than 10 to 15 years.

Fortunately, many cracks developed at the establishment elites during the last year. And as the winning faction seems to rely more and more on a closed oligarchic model, with negative impact on the country governance, it becomes acceptable to expect a social crisis more sooner than later.
Let's hope that the iranian opposition concentrates on building the necessary bridges to form a large platform with a clear and realistic set of political objectives. Then it will succeed.

Whose fault ?

We risk losing Turkey for good.
Nothing new, on the hypothesis front. Except today, facts on the ground undeniably establish a diverging path.
For many years, the EU has been pushing Turkey away. Not the action of an isolated imbecile, but of the entire generation of political retards that currently lead the union.
So, no surprise as Turkey finally understood it was simply being humiliated and began to reassert its position among its former vassals, under a new mindset, with astounding success.
But, surprise, surprise, everybody now turns into a sour mood, as we become aware of the side effects of this strategic shift... Turkey, a NATO member, is about to turn decidedly against the western world, and there's nothing we can do to avoid it.

Meanwhile, where are the europeans looking at ? Soccer games ?

E agora, Messias ?

Uma semana rica em acontecimentos de grande qualidade.
Destaco neste post o coelho que a Turquia e o Brasil tiraram da cartola. Depois de uma negociação relativamente curta, conseguiram o muito desejado acordo do Irão para o enriquecimento final do seu urânio no exterior, na quantidade pretendida.

E aqui começa a balbúrdia... Afinal de contas, a quantidade pretendida sê-lo-ia há um ano atrás mas hoje pode ser considerada modesta, dado que o Irão não parou o seu processo de enriquecimento ao longo de todo este tempo.

Bom, vejamos as coisas pelo lado positivo, tanto a Turquia como o Brasil confirmaram a sua vontade de assumir na cena internacional o papel de relevo que merecem, mesmo que neste caso em concreto acabem por ser pouco mais que idiotas úteis.
E já que falamos de idiotas, úteis ou não, não podemos esquecer-nos do colosso norte-americano, cuja administração veio de imediato vangloriar-se de ter finalmente conseguido apoios para o esboço de um novo lote de sanções contra o iraniano mau, ignorando assim por completo o acordo dos tirocinantes.

E esta postura teve dois efeitos que apenas contribuem para descompor ainda mais o ramalhete... Por um lado, descredibilizou a propalada abertura dos EUA aos processos negociais, por outro apareceu como um puxão de orelhas aos dois tirocinantes que tiveram a ousadia de se armar em gente crescida, em particular o Brasil, cuja vontade de liderança não se ficou pela América Latina.
Esta rapaziada nova é um problema, terá pensado o Messias, vamos arrepiar caminho antes que seja tarde.
Só que já é tarde, a posição norte-americana está cada vez mais enfraquecida, como o demonstram as sucessivas cedências quanto ao raminho de sanções. Ou as contrapartidas correspondentes... Não ficou bem a notícia de que foram retiradas da lista negra empresas russas relacionadas com fornecimentos de índole militar ao Irão.

A administração norte-americana parece não ter noção clara do brilhantismo iraniano no jogo diplomático, e isso começa a tornar-se realmente perigoso. Esgotados os bluffs, os EUA estão a colocar-se na posição pouco invejável de ter de avançar unilateralmente para um conflito armado cujos objectivos não conseguem sequer definir.

Antes de quaisquer outras asneiras, portanto, seria interessante reflectir sobre dois aspectos muito importantes nesta década histórica...
O primeiro é a perda definitiva por parte do Ocidente da sua capacidade de influir unilateralmente sobre os assuntos internacionais através de ferramentas económicas e alianças políticas, o que lhe deixa disponível, tão-só, a capacidade militar. O segundo, o da avaliação da real capacidade militar convencional, tendo em conta que os factos têm vindo a demonstrar a existência de limites muito mais estritos do que se julgava. À manutenção do que resta da ordem imperial pode a breve trecho restar apenas o nuclear.
E entretanto, por aqui, a velha Europa vai-se alheando de tudo isto. Desgrenhada, corre pela casa atrás da filharada malcriada, incapaz de ter mão num lar que se vai desmanchando.

Everybody Draw Mohammed Day

Há quase um mês atrás, tive conhecimento de algo que me alarmou. Na sequência da inclusão de menções pouco abonatórias de Maomé no programa South Park os seus autores, bem como toda a produção, receberam ameaças públicas de morte de um grupo islâmico a partir de um site onde se incluíam dados sobre a localização da empresa.

Perante isto, uma cartoonista de Seattle, Molly Norris, lançou um apelo à apresentação colectiva de representações de Maomé em 20 de Maio, em defesa clara da liberdade de expressão.

Como ateu, não distingo particularmente o Islão das outras religiões. Talvez por isso ao longo dos anos não tenha reconhecido legitimidade à islamofobia que se instalou no Ocidente, pois não tenho conhecimento de que o rol de crimes imputáveis ao Islão seja superior ao de outras religiões. Mas o facto de não embarcar na islamofobia da moda não implica que me transforme num compagnon de route de uma qualquer tendência no interior do Islão, mesmo que maioritária.

Ora, tal como já tinha acontecido na Europa, a tentativa de intimidação da equipa do South Park colocou em cima da mesa o direito à liberdade de expressão, que é um dos poucos valores que considero indiscutivelmente defensáveis no legado cultural desta civilização ocidental que me formou.
Assim sendo, não poderia deixar de responder ao apelo de Molly Norris. Se não respondesse, cederia pelo silêncio à coacção. Deixo portanto aqui a minha representação de Maomé. E deixo também aos seus seguidores um apelo para que, de forma absolutamente inequívoca, sem subterfúgios, se pronunciem sobre o valor que realmente atribuem à liberdade de expressão.

Tal Afar. Outra vez.

O Iraque parece mergulhar em novo ciclo de morte, agora que as tropas imperiais se retiram e os vazios vão sendo finalmente preenchidos.
O dia de hoje foi severo... A violência política causou mais 150 mortos e 600 feridos, um prenúncio do que está para vir.
Ao ler a lista das localidades afectadas pelos incidentes, chamou-me a atenção um nome, o de Tal Afar.
E recordei-me: há cinco anos atrás, esta criança perdeu ali os pais, literalmente despedaçados por rajadas de metralhadora das tropas de ocupação, no meio da violência em que o Iraque estava então mergulhado.
Não sei, mas imagino, que os eventos de hoje tenham lhe suscitado novas perguntas, agora que é adolescente. E tal como há cinco anos atrás, não saberá a quem deve colocar essas perguntas.
Com uma displicência notável, colaborámos na destruição do Iraque, sem por um momento pararmos para pensar que a guerra nada produz senão isto. Talvez valha a pena, neste país alegadamente cristão, reflectir e decidir sobre quem, dentre nós, irá responder a esta e a todas as outras crianças, adultos e velhos, cujas vidas nos pareceram e parecem ter um preço muito baixo.

ISO 1974

Acordei com um estrondo.

Sei que não é bonito começar o dia rogando pragas, mas interromperam-me um sonho interessantíssimo, por sinal o último episódio de uma série espectacular...

Lá acabei por perceber a razão do estrondo. Tratou-se de um foguete. Pum. E para o caso de não ter percebido, os autores da proeza decidiram dar mais algumas dicas. É assim que há mais de uma hora ziguezagueia por aqui uma banda saída dos infernos, com bombos cruéis que repetem até à exaustão o estrondo original, enquanto um friso de moçoilas viçosas abanica as pernocas gordas e uns duendes inchados sopram cornetas estridentes, aterrorizando tudo quanto é cão, passarito ou insecto, até mesmo um ou outro vegetal.
Ocorreu-me pegar no carro e passá-los a ferro, mas mudei de idéias quando vi que se faziam acompanhar de escolta policial armada.

Creio que se trata das comemorações da revolução ISO 1974, mas fico curioso, que revolução é essa que se faz acompanhar de escolta policial ? Pergunto-me o que na verdade comemorará esta gente... A vitória póstuma de Caetano ?

Revoluções não se comemoram, fazem-se. São como trovoada refrescante, manifestação épica de vitalidade. E quem, no seu perfeito juízo, comemoraria uma qualquer trovoada, espetando medalhs no peito de relâmpagos há muito apagados ?
Revoluções não se comemoram, podemos lembrar-nos ocasionalmente do ribombar deste ou daquele sonhos mais fortes, mas são apenas memórias de coisas há muito desaparecidas. Não se comemoram, anseia-se pela sua volta para que nelas voltemos a mergulhar com a insanidade da alegria, o deboche da criação, o urro da esperança.
O resto é treta.

Nothing personal, just business

I have a business proposal for you, Mr. Dershowitz.

Let's deal with the money issues first. For your professional services, each palestinian will pay you one dollar and so will each pro-palestinian activist in the planet, if you succeed. Otherwise, sorry but you won't see a dime. Of course, in the end you're entitled to decline the payment and redirect it to charity, if you deem appropriate.

The task won't be easy, I'm affraid. It will be your responsability to manage the negotiations with Israel, on behalf of the palestinian people. You're expected to, as a bright professional, do your best to defend your constituents rights. It will be a demanding task, but I'm sure you'll give your israeli opponents a hell of a fight. From the Balfour abusive declaration to today's apartheid regime, you'll easily find abundant material as proof of persistent denial of your constituents self-determination rights.

Before handing you the task, however, I'm affraid I'll have to ask you to publicly describe the strategy you intend to follow to achieve the final goal, which is the establishment of an independent and viable palestinian state, side-by-side with Israel. No, no, sorry but a simple diagram drawn in the sand won't do. Unfortunately, many of the co-sponsors of this project unfairly doubt your capability. So, they demand a full description of a credible strategy before investing their precious dollar.

You could begin by the moral values at stake. An easy introduction which will certainly stimulate your reasoning before you get to the tough issues. And you know those tough issues... Settlements, water, territorial contiguity and the fine details of border definition, Jerusalem, the refugees ( don't forget to take into account that we're talking about a total figure of roughly 8 million persons, 4 million in the ghettos and 4 more in the neighbouring countries ) ...
Oh, and don't forget to include a paragraph or two on the security guarantees you believe Israel should provide. We don't want the new country to be invaded every six months, do we ?

Do you feel up to the task, Mr. Dershowitz ?

Clarificação

Parece passada a fase da conspiração.
Está aberto o espaço para, a pretexto desta crise violenta, os católicos abrirem então uma discussão franca sobre tudo e mais alguma coisa.
Interesseira ou desatenta, a igreja católica tem vivido num mundo de fantasia que apenas a distrai. E o que o cardeal Policarpo sugere, se bem entendo, é que se reorganizem as hostes para que no fim se perceba o que efectivamente sobrou da Europa católica e se assuma com humildade prática o lugar que daí resulte. Não porque uma muito provável retracção signifique uma derrota. Significará apenas o fim de um ciclo demasiado extenso, em que parte substancial da influência da igreja católica adveio do facto de se ter encavalitado com sucesso em muitos dos poderes terrenos. Uma teia bem construída, que lhe proporcionou inúmeros benefícios mas que pode causar-lhe uma morte penosa à medida que a cada nova crise essa existência de favor se torna mais difícil e que, onde julgava ver fiéis, vai percebendo que há afinal adversários.
O processo será decerto rápido, porque já foi desperdiçado tempo, mas espero que a igreja católica não ceda à tentação dum simples aggiornamento. Na verdade será necessário que vá mais longe, pois se podemos ir prescindindo dos deuses, não podemos prescindir da ética e talvez esteja aí o novo lugar dos católicos, com muito ou pouco clero, com muitos ou poucos fiéis. Uma voz que não sendo necessariamente seguida possa pelo menos ser firme quando se fizer ouvir.

Fumo negro

Quando a derrocada teve início, nos EUA, achei piada.
Quando passou para a Europa, fui lentamente engolindo o riso, à medida que o assunto se foi firmando como um patético circo niilista. Não me interprete mal o leitor... O meu desprezo pelas religiões permanece universal e profundo. Mas reconheço que muitos terão genuína dificuldade em viver sem elas, de tão esfomeados que estão de um propósito franchisado.
E perante esta revoada de acusações saídas de todos os lados e de todos os tempos, pouco adianta agora tentar perceber se Ratazaninger é cúmplice ou justiceiro, a populaça já lhe roubou o processo das mãos e quer sangue. E, coisa que talvez não seja estranha, no meio dessa populaça agitam-se muitos crentes desiludidos.

Não sei quantos serão os seguidores desta corrente religiosa na Europa, mas admito que sejam muito numerosos ( a maior parte sê-lo-à por inércia, mas mesmo assim... ).
E quando penso no dano que isto pode causar, não ao clero mas às vidas até aqui bem ancoradas de toda essa gente, fico deprimido.

No fim do circo, quantos olharão as portas da sua igreja como portas de acolhimento ?

Holger Czukay

Obrigado ao Público pela menção deste músico. Do mais nauseabundo electro-pimba ao mais sublime experimentalismo, o homem esteve em todas.



Verão quente iraquiano

Não, leitor, não resmungue, não estou desatento do Iraque.

Mas atingiu-se ali um momento de pausa constrangida, potencialmente histórica. Lembrar-se-ão alguns de há uns anos ter sugerido que o grande confronto entre os distintos sectores iraquianos só poderia ocorrer finda a ocupação. Pois creio que se aproxima esse momento, quando os soldadinhos imperiais finalmente se preparam para ir abater pessoas noutras paragens ( não muito distantes, quem sabe ).
E o momento apanha três figurinhas sobrenadantes... Alawi, Maliki e o anafadinho Sadr. O resto é paisagem, mas tudo bem, pois a base de apio destes três actores reflecte uma configuração sociológica quase estável, embora com certo distanciamento dos curdos. Em jeito grosseiro, Maliki e Sadr aparecem como representantes dos xiitas, Alawi como representante dos sunitas e de um caldo confuso de cidadãos laicos.
Uma arrumação com o seu quê de surpreendente, já que Maliki vinha apertando passo a passo as rédeas do poder e parecia ter há uns anos mandado Sadr de volta para o infantário. Triste sina. Maliki, com todas as batotas que fez e as que fará ainda, não conseguiu senão o segundo lugar.
Depois, Allawi, que saíu da penumbra e saltou para o primeiro lugar, congregando os apoios sunitas e, pasme-se, o de muitos xiitas finalmente cansados do canto de sereia religioso.
Por último, o anafadinho Sadr. Depois de atacado sem dó nem piedade pela velha guarda do SCIRI/ISCI, aproximou-se dele para melhor o cilindrar, ficando com a parte de leão dos lugares da coligação e tornado-se automaticamente no ponto focal do sistema político, já que, com apenas dois lugares de diferença entre Alawi e Maliki, acaba por ser Sadr a decidir quem vai governar o país.

Mas antes disso, há um problema delicado a resolver, que é o de decidir quem vai ser convidado a formar governo... Teoricamente, Alawi tem a primazia. Na prática, Maliki entretem-se agora a tentar emitir mandatos de captura sobre os eleitos do seu adversário, e não pára de dizer que o que conta é o número de eleitos que consigam sentar-se no parlamento. A ser assim, bastar-lhe-ia engavetar três dos eleitos de Alawi para garantir o direito de formar governo.

Mas mesmo que o truque funcionasse, só poderia traduzir-se em algo de útil caso Sadr lhe concedesse posteriormente o apoio necessário no parlamento. Por razões de todos conhecidas, é razoável supor que Sadr só apoiará Maliki para melhor o esquartejar, de preferência depois de o mandar enforcar, empalar e cremar. Não quero com isto dizer que Sadr ponha de lado um acordo de viabilização, é suficientemente cínico para usar a situação como melhor lhe convier, se possível fazendo de conta que a idéia não é sua. Talvez por isso tenha decidido organizar um referendo informal para saber quem é que os iraquianos achavam mais apto como primeiro-ministro, mas a artistada falhou, porque nesse referendo Maliki e Alawi nem para chefes de banda conseguiram votos, o que deixa nos ombros de Sadr toda a responsabilidade pela escolha. Azar.

Que se vai seguir ? Bom, até Agosto a coisa tem de estar resolvida, e parece consensual que se Maliki persistir em bloquear as instituições com truques de secretaria o assunto poderá ter de ser resolvido através da guerra civil. Resta assim acreditar que o novo tutor do país, o Irão, preferirá garantir para já a estabilidade no interior do Iraque, algo que poderá mais tarde ser facilmente invertido, caso as circunstâncias venham a aconselhá-lo. E se as contas não me falham, esse cenário poderá colocar-se em meados de 2011, caso o processo de independência palestiniano avance com apoio norte-americano. Tit for tat.

On the killing of Reuters employees

For those interested, there's a Scribd upload of a document announced as the internal investigation report.
Interesting that some are now turning to the van as evidence of a war crime.

Só quando elas mordem ?

O comportamento equívoco dos media face aos desmandos das forças que por algum motivo lhes pareçam próximas não merece grande aplauso.

E se há teatro de guerra em que isso é bem notório é o do Iraque, onde sistematicamente os media silenciaram os aspectos mais negros, refugiando-se no eufemismo dos critérios editoriais.
Aos leitores não foi oferecida a experiência das imagens dos cadáveres transformados em almôndegas pelos rastos dos blindados, do concurso de tiro sobre um sujeito ferido ( com aplauso para o primeiro a acertar ), da carrinha de uma das empresas de mercenários que, de porta a traseira aberta, percorria a auto-estrada despejando rajadas de metralhadora sobre os condutores que se apresentassem na linha de mira, das inúmeras profanações de cadáveres, das armas marcadas com símbolos religiosos pelo fabricante, entre muitas, muitas outras façanhas.

Pelos vistos, só quando os alvos são funcionários dos media ( e neste conflito em particular deve dizer-se que a Reuters teve a sua dose ) é que valem o esforço de alguma insistência na quebra das restrições militares. No caso agora relatado, nem se percebe muito bem a indignação. Trata-se de um grupo em que alguns indivíduos estão claramente armados, e nesse contexto não espanta que o material que os jornalistas trazem a tiracolo acabe por passar também por armamento. A sequência é semelhante a muitas outras, em que uma força avalia a situação durante algum tempo, relata-a em seguida aos superiores e abre fogo depois de autorização clara nesse sentido.
Neste caso, ao contrário de outros, tratou-se claramente de um erro de avaliação que, objectivamente, só acabou por ser desfeito quando se percebeu que havia duas crianças entre as vítimas.

Aprecio o trabalho da Reuters e de outras agências cujos repórteres pagam por vezes com a vida o nosso direito à informação.
Mas apreciaria muito mais que a informação referente a situações bem mais graves que esta tivesse tido o relevo adequado.

O padre canta-missas

Pode parecer estranho que um padre jogue a cartada do anti-semitismo, mas no decurso das suas deambulações intelectuais o padre canta-missas terá achado que se a coisa tem funcionado bem para os boers sionistas poderia também funcionar para o clube católico. Pelos vistos, não.

Para quem assiste à distância, isto vai-se tornando patético. Quase apetece sugerir que mudem a designação social para Igreja da Sagrada Deflecção, depois das inúmeras tentativas de atirar a culpa para cima dos outros, sejam eles os maçons, os protestantes, o New Your Times, os ateus, o Elvis ou essa entidade misteriosa e omnipresente que dá pelo nome de 'Eles'.

Importa esclarecer, para benefício dos crentes europeus mais tetanizados pelo cenário fantasioso em que gostam de viver, que esta história já se desenrola há anos de forma bem visível na Irlanda e nos EUA, pelo que não se percebe muito bem o porquê da surpresa virginal que tomou os crentes agora que o assunto aparece exposto à luz do dia na Europa.

E o que está em causa, afinal ?

No fundo, uma máquina dotada de um poder imenso, que não se coíbe de pregar normas aos crentes e aos não-crentes, foi apanhada pela transformação dos costumes sem ter a flexibilidade para reagir atempadamente. Durante séculos e séculos, os abusos agora denunciados foram socialmente tolerados, suscitando apenas leve reprovação. Não custa por isso perceber que o clero se tenha habituado a resolver os eventuais incómodos pela simples ocultação.
Mas a sociedade ocidental mudou muito nas últimas três ou quatro décadas, e comportamentos anteriormente tidos como mero sinal de alguma fraqueza passaram a ser considerados crimes, à medida que a atenção se concentrou nas vítimas desses comportamentos.

E sem que se desse por isso, a ocultação conveniente transformou-se em cumplicidade no crime. Talvez o clero católico não tenha percebido em devido tempo que tinha de fazer algo, rápida e decididamente. Ou talvez tenha percebido a dimensão da tarefa que tinha pela frente. Certo é que o problema já vinha sendo tratado com atenção crescente, como parece indiciar a actividade passada do cardeal Ratazaninger.
Mas foi pouco, tardio e lento. E quando o dominó começou a cair, o clero acabou por ser apanhado de calças na mão.

Soluções ? Desde logo, o clero deveria deixar-se de pieguices. Tem uma tremenda responsabilidade moral em todo o planeta, uma responsabilidade que constantemente apregoa, não pode agora dar-se ao luxo do relativismo. Tem de cooperar activamente no levantamento dos abusos e, como dizia ontem frei Jerónimo, simplesmente remover os culpados das actividades sacerdotais, ponto final.

Será o bastante ? Bom, seria justo que às vítimas fosse em todas as circunstâncias facilitado o recurso à via judicial, para que possam fazer valer os seus direitos se assim o desejarem.
E depois disso, talvez seja interessante o clero virar-se para os seus processos de formação... Os comportamentos predatórios não caem do céu, e se a regra do celibato pode nalguns casos explicar alguns desses comportamentos, outros haverá que talvez tenham origem no estranho modo de vida que envolve a preparação dos clérigos. Muito antes de se colocarem a si próprios a questão do celibato.

Viúvas negras

Lembro-me bem de uma sujeita, provavelmente diplomata, afirmando perante as câmaras de televisão portuguesas que a Checheno-Ingúchia estava tranquila e nunca se separaria da Rússia.
Um ou dois dias depois, Dudayev declarava a secessão.

Recomeçou então o inferno nesta região de charneira, repetidamente violentada ao longo da história e sujeita à ocupação russa desde há dois séculos, uma ocupação particularmente brutal cujo episódio mais grave seria o da deportação massiva da população às ordens de Estaline.
O que se seguiu à secessão foram anos de violência crescente, um período que culminaria com a deposição do presidente eleito Aslan Mashkadov, três anos depois de Dudayev ter levado com um míssil russo entre as orelhas.
Dir-se-ia que com a queda de de Mashkadov e a posterior ascensão e solidificação do poder do pró-russo Kadyrov, a Europa podia fazer de conta que nada se tinha passado, que a Chechénia era um problema interno russo que não suscitaria reparos desde que se mantivesse longe das câmaras.
Os cidadãos europeus apreciam estas soluções.

Mas os incómodos mantiveram-se, primeiro com o assassinato de Kadyrov, que a Rússia rapidamente substituiria pelo seu filho Ramzan, líder de uma milícia pouco recomendável. Tão rapidamente que o rapaz teve de aguardar uns anitos até atingir a idade legalmente admissível para ocupar a presidência. Depois, com episódios como o teatro de Moscovo, Beslan, ou os assassínios de Mashkadov e Politkovskaya, numa altura em que tentavam acordar com o Conselho da Europa uma solução política.
E agora, com os atentados na Rússia e no Daguestão.
Podem os cidadãos europeus persistir no seu sono tranquilo ?
Talvez seja difícil... Se os atentados em Moscovo demonstram ( a quem não acompanhe o que se vai passando na Chechénia ) que a guerrilha chechena está viva, os do Daguestão, tal como já acontecera em Beslan, são a ponta do véu de um um cenário que se vem montando de há meia dúzia de anos para cá, o do lento alastramento da instabilidade ao conjunto das repúblicas do norte do Cáucaso.
A este alastramento, irá a Rússia certamente responder com um novo banho de sangue, pois Putin não pode arriscar apresentar-se às próximas eleições com um fracasso entre mãos, anos depois de ter garantido que o problema estava resolvido.
Mas não se apoquente o senhor Putin, pois do lado russo está bem alicerçado no racismo, e do lado europeu, passada a primeira comoção, pode contar com o silêncio habitual dos cidadãos.

Se o leitor nunca se tiver preocupado em tentar obter documentação sobre o que se tem efectivamente passado naquela zona nos últimos vinte anos, escusa de o fazer. Essa documentação existe, mas a sua observação resulta dolorosa, talvez demasiado dolorosa.
Permita-me que lhe sugira antes uma versão um pouco mais leve. Trata-se de uma reportagem algo extensa e já antiga ( produzida na altura do assassinato de Kadyrov ), legendada em inglês, que o irá ajudar a perceber porque existem mulheres jovens a quem chamam viúvas negras, e porque estão decididas a despedaçar-se levando consigo o maior número possível de vítimas que gostaríamos de poder catalogar como inocentes.

Statehood

The Obama administration, although weak, is the much needed narrow window of oportunity for the establishment of an independent and viable two-state solution, based on the 1967 borders, as proposed in the saudi plan and commonly accepted nowadays by the international comunity.

The stalled negotiation process, to this end, is not important, as Israel's sole purpose would be the continuation of an endless and meaningless fake.
The Fayyad plan is steadily developing, and there could be no better measure of that than the alarm in the israeli press. In fact, the PA is delivering, and strangely, so is Hamas. In the meantime, Israel, thanks to Bibi and the resolute shift to the right of israeli voters, is fast becoming irrelevant.

But there are two important points where the entire process could collapse...
The first one is the continuing incapacity of Fatah and Hamas to find an agreement, a situation Israel can easily exploit to the point of fomenting a civil war among palestinians.
The second one based on ethical issues... The declaration of independence will probably be issued during Obama's first term. If Obama agrees with it, his prospects for a second term will simply disappear, as the pro-zionist lobby in the US ( including christian evangelists ) will never forgive him. So, the question is, will Obama do the right thing, whatever the consequences for himself, or will he bow to the boer supporters in exchange for a guaranteed shiny new second term ( and they certainly will make him the offer ) ?

De profundis

Depois da humilhação de Biden, não causou espanto a atitude conciliatória de Netanyahu, que no dia seguinte já considerava o problema quase sanado. O que causou espanto foi a agressividade das reprimendas de Biden e Hillary Clinton, que alguns consideraram desproporcionadas.

Mas, para apreciar devidamente o palco em que esta dança tem lugar, há que incluir um artigo da Foreign Policy que traça os passos dados até se chegar a este ponto...
Nela é mencionado um relatório do general Petraeus ( responsável por quase todas as forças norte-americanas presentes no Médio Oriente ) apresentado em Janeiro ao almirante Michael Mullen, que pinta um quadro negro sobre o descrédito generalizado dos EUA nos países integrados no seu comando, percebidos na zona como demasiado débeis para que possam conter Israel, um desequilíbrio com potencial reflexo no estatuto das tropas americanas nesses países.
Numa nota mais pessoal, o próprio Mullen seria percebido como 'demasiado velho, demasiado lento e demasiado atrasado'.
De seguida, Petraeus terá solicitado a transferência de Gaza e da Cisjordânia do grupo de comando europeu para o CENTCOM, de forma a poder demonstrar ao mundo árabe uma intervenção mais activa naqueles territórios, mas o pedido foi rejeitado.

O alarme causado pelo relatório terá sido no entanto suficiente para que a Casa Branca tenha incumbido Mullen de transmitir pessoalmente ao general Gabi Ashkenazi um aviso claro de que Israel deveria olhar o conflito com os palestinianos no contexto regional, uma vez que o assunto estava a ter um impacto directo no estatuto dos EUA na região.

A posterior humilhação de Biden ganha contornos mais graves neste contexto, pelo que se torna mais fácil perceber a violenta reacção do governo norte-americano, já que, como diz o articulista, embora o lobby judaico esteja entre os mais fortes dos EUA, não é mais forte que o lobby militar, e este começa a ficar demasiado agastado com a ligeireza com que se está a colocar em risco a segurança dos soldados norte-americanos espalhados por todo o território, do Golfo ao Afeganistão.

A réplica

De acordo com uma notícia do Haaretz, relatando uma reunião do corpo diplomático israelita nos EUA, a administração norte-americana terá colocado quatro exigências a Tel Aviv, a saber:
1. Investigação do processo que conduziu ao anúncio do plano de contrução em Jerusalém Leste, para que se possa determinar se se tratou de um erro burocrático ou de um acto político deliberado;
2. Revogação do plano de construção;
3. Sinalização clara de interesse na retoma do processo negocial, seja pela libertação de centenas de prisioneiros, recuos adicionais de tropas do IDF na Cisjordânia e entrega dessas áreas ao controle palestiniano, alívio no bloqueio de Gaza e remoção adicional de postos de controle rodoviário na Cisjordânia;
4. Emissão de um anúncio oficial de que as conversaçãos, mesmo se indirectas, tratarão de todos os aspectos centrais do conflito, nomeadamente as fronteiras, os refugiados, estatuto de Jerusalém, entendimentos sobre segurança, utilização de recursos hídricos e colonatos.

Não sabemos como isto veio a público. Mas se juntarmos outros sinais, pouco ou nada diplomáticos, podemos verificar que a crise é séria, ao ponto de colocar Obama na posição de emitir um quase-ultimato ao governo israelita.

E este jogo de poker tem implicações... O governo norte-americano já foi humilhado várias vezes pelo gooverno israelita e não pode deixar de retaliar, sob pena de ver a sua credibilidade ainda mais abalada, e creio que é nessa medida que os quatro pontos citados devem ser entendidos. Resta então saber se Tel Aviv se resigna ao seu cumprimento ou insiste na humilhação da potência protectora. Se optar pela segunda via, será interessante ver quem cai primeiro, se Obama se Netanyahu... Estamos neste ponto.

E vai mais um prego

Coisa de somenos importância, o futuro da UE não excita muito os media nacionais.
Portanto, acabamos por saber por outros aquilo que nos afecta.
E desta vez é a Al Jazeera a informar-nos que também a Suécia passou uma resolução parlamentar acusando a Turquia de genocídio no caso das chacinas dos arménios.
Mais uma vez, a Turquia mandou regressar o seu embaixador.
Mais uma vez, alimentou-se um círculo vicioso que vai tornando mais remota a possibilidade de integração na UE.
Mais uma vez, a demência somou vitórias no clube das velhotas cristãs.

Tudo ou nada

A  orquestra política dos boers israelitas parece ter afinado os instrumentos, concentrando-se numa nova estratégia baseada na afirmação unilateral dos seus interesses, qualquer que seja o possível impacto na comunidade internacional.

Depois do embaixador turco, foi agora a vez do vice-presidente norte-americano ser publicamente humilhado, com requintes.
A deslocação de Biden começou de forma promissora para o bom relacionamento entre os dois países e para a retoma do processo negocial entre israelitas e palestinianos. Mas logo a seguir, a derrocada. O ministério da administração interna anunciou os planos para a construção de 1.600 fogos em Jerusalém Leste.
Biden deverá ter ficado lívido perante a afronta, e reagiu imediatamente com o que tinha à mão, fazendo Bibi esperar 90 minutos para o jantar, e aproveitando-o para condenar abertamente a iniciativa.
Ao mesmo tempo, o Haaretz anunciava estar em curso um plano de construção de médio prazo mais vasto, envolvendo cerca de 50.000 fogos na mesma zona, 20.000 dos quais já em fase de aprovação.
À medida que as notícias corriam mundo, o universo diplomático foi-se agitando como um formigueiro e gerando manifestações de desagrado um pouco por todo o lado, incluindo a cautelosa Europa. Mas mais interessante que isso é a incidência dos media, incluindo os israelitas, na caracterização dos factos como ume um insulto planeado destinado a descredibilizar os EUA, na pessoa de Biden.

Seja qual for a leitura, parece ter ficado definitivamente assente que Israel não tenciona acolher a visão de dois estados independentes e viáveis.
Já não há sequer a preocupação de manter sempre activa uma qualquer fantasia negocial para ir entretendo os pacóvios enquanto se vão criando os factos no terreno, o que constitui uma alteração radical da política seguida ao longo de décadas.

Porquê esta sucessão de provocações ? Bom, porque para já vão compensando. Para os boers de colheita tardia, a evolução recente dos factos e o impacto resultante nas idéias da comunidade internacional sobre o assunto fez surgir no horizonte a indicação de que os tempos da cumplicidade ocidental estariam a chegar ao fim.
Resta por isso pouco tempo para garantir a conclusão desta fase do projecto sionista, pelo que vale a dar um salto em frente e apostar na paralisia da potência protectora, mesmo que isso custe um arrefecimento sério das relações. Na verdade, a capacidade de manobra da potência protectora é muito reduzida, seja pelo peso do lobby judaico no seu interior, seja pela incapacidade de desenhar um quadro estratégico alternativo.

Todos o sabem, mas também todos sabem que esta deriva vai forçosamente desembocar numa nova guerra, num momento de crise que se estende até ao Paquistão, em que não é possível prever com um mínimo de rigor quais os actores, qual o grau de envolvimento ou qual o desenlace.

Os primeiros sinais, quer dos EUA quer da UE ou da própria Rússia, apontam para o reconhecimento da necessidade de uma travagem rápida dos desmandos dos boers, antes que todo o Ocidente se veja envolvido numa crise grave.
Mas, depois de tantos anos a sugerir aos boers que, façam o que fizerem, terão sempre as costas quentes, dispõe o Ocidente dos meios para travar o processo ? Ou é demasiado tarde ?

O morto

Percebe-se a decisão.

Com 51 anos, especializado numa área sem alternativas profissionais, ao professor caberia aguentar mais catorze anos de provação sem qualquer apoio institucional, sabendo que essa provação seria mais impiedosa à medida que o avanço da idade o fosse debilitando.
Encurralado como um rato, a decisão foi correcta.

Segue-se um inquérito ou dois, vem um patetinha de carreira à televisão sussurrar conveniências e amenidades, apela-se à tranquilidade por amor às criancinhas, a poeira assenta e tudo fica na mesma.

Esquecemos esta culpa imensa de uma sociedade que, egoísta ao ponto de se ter tornado incapaz de cuidar dos seus filhos, os despeja como lixo nas escolas, esperando que alguém os aguente até que por milagre ou decreto se tornem adultos.
Esquecemos esta traição ao corpo de docentes, cuja missão sagrada de transmissão do conhecimento se vai perdendo, transformada numa degradante luta diária pela dignidade.
Matámos este homem. Um aborrecimento, mas felizmente demasiado distante para que tomemos consciência deste acto.

Prego a prego

Depois de anos e anos de tem-te-não-caias, a comissão de negócios estrangeiros do Congresso norte-americano acabou por passar (23-22) uma resolução classificando de genocídio o massacre dos arménios às mãos dos turcos em 1915...

Bom, o sentido de oportunidade não parece muito desenvolvido. Embora esta resolução fizesse algum sentido há 80 ou 90 anos atrás, nos dias de hoje serve apenas para ganhar votos entre a comunidade americana de origem arménia. Do lado dos prejuízos, abriu-se de forma gratuita mais uma brecha nas relações da Turquia com o Ocidente, empurrando-a para o fortalecimento das relações com a Síria e o Irão.

A Turquia não apreciou o gesto e por entre declarações de desagrado chamou o seu embaixador, avisando  que outras medidas se seguirão, começando pelo congelamento da normalização de relações com a Arménia.

Com tantas cabeças pensantes ocidentais a esmerar-se por repelir a Turquia por todos os meios, deve haver alguma vantagem de longo prazo... Dão-se alvíssaras a quem a descortinar.

Al Fu Manchu

'Deserto por deserto, antes o Saudita que o Gobi', pensou de si para si o chinoca, 'Sempre tem mais petróleo, pelo menos'.
E se bem pensou, melhor o fez. Tanto assim que, ao longo de 2009, enquanto o império americano ali foi buscar menos de um milhão de barris de petróleo por dia, o império do meio  atingiu e ultrapassou essa marca.
Sopram ventos de mudança, que muitas supresas hão-de trazer.

Oportunidade

A história de um país nasce muitas vezes da pequena história, quando os seus protagonistas são suficientemente grandes.

Podemos estar a passar por um desses momentos, se soubermos dar-lhe a relevância que merece. Se as alegações forem correctas, esta é uma das raras circunstâncias em que o abuso de poder aparece suficientemente documentado para que acabe por produzir efeito, seja por acção ou por omissão.

Estando em causa um potencial abuso sério, o regime poderia aproveitar o momento para reconstruir alguma da credibilidade perdida depois de algumas décadas de práticas duvidosas.
Fazê-lo não é complicado, basta uma comissão parlamentar de inquérito que produza conclusões baseadas num trabalho de investigação objectivamente sério. Caso se apure que o alegado plano existiu de facto e contou com o envolvimento do PM, então este deverá demitir-se. Daí não virá grande mal ou crise de governabilidade, pois nessa situação o PS pode e deve ser convidado a apresentar um novo PM e um novo governo.
Nesta linha, caberia agora ao PS a iniciativa de propor o estabelecimento de uma comissão de inquérito.
Fazendo-o, mostraria sentido de estado.

Infelizmente, o PS parece mais inclinado para tratar o caso como um problema de relações públicas, que por cansaço dos cidadãos ou simples diluição do alvo acabe esquecido debaixo do tapete. Os sinais são visíveis. Logo nos promeiros dias, tentou-se centrar a atenção na forma como as transcrições foram obtidas e fazer passar para segundo plano o seu conteúdo. Agora, trata-se de organizar uma contra-ofensiva em duas vertentes... Por um lado, desafiando-se os partidos da oposição a apresentar uma moção de desconfiança, quando se sabe à partida que nenhum embarcará nessa irresponsabilidade. Por outro lado, amontoando munições relativas a outros temas, de forma a transformar as audições numa palhaçada inconsequente. Ao que parece, até o caso da espionagem ao ayatollah de al-Ushbuna, Aníbal al-Boliqueimi, virá à baila.

Mas seria bom que o PS entendesse que esta crise o ultrapassa, e que os cidadãos talvez esperem um sinal inequívoco sobre o real valor do regime político vigente. Cerrar fileiras e lançar balões coloridos poderá ser um bom meio para abafar o assunto, mas que fique bem claro que, para bem da democracia portuguesa, este assunto não pode ser abafado. Tem agora o PS, por inteiro, a responsabilidade de decidir. Que decida bem.

Baradar

Para além do efeito desmoralizador que necessariamente terá a curto prazo, não é fácil prever as consequências da detenção de Baradar ou, ainda antes disso, perceber sequer o contexto que conduziu à detenção.
Note-se que há aspectos divergentes na apreciação do seu estatuto corrente. Do lado da estrutura hierárquica dos Taliban a sua aura talvez rivalize demasiado com a do mullah Omar. Do lado paquistanês, não deve ter caído muito bem o seu pendor para causar distúrbios com os xiitas e, consequentemente, minar ainda mais a frágil situação interna no Paquistão.
No curto prazo, a desactivação deste estratega pode danificar a cadeia de comando e facilitar assim a obtenção de resultados mais rápidos na ofensiva de Helmand, o que por sua vez pode abrir caminho para uma solução negociada baseada numa posição menos proeminente dos Taliban. Já não seria nada mau que isso acontecesse, o sucesso dos Taliban ao longo dos anos garantiu-lhes uma posição demasiado forte face ao liliputiano governo de Cabul.
No longo prazo, no entanto, a detenção não implica por si só um grande impacto, uma vez que a estrutura da organização já está adaptada há muitos anos a este tipo de perdas e que não há ameaças sérias ao fenómeno Taliban que, quando muito, continuará a ser alvo de medidas de contenção do lado paquistanês.

Como não podia deixar de ser, alerto mais uma vez o leitor para a ligeireza lamentável com que alguns media ocidentais tratam este e outros eventos. Se as interpretações mais propaladas fossem credíveis, os Taliban não passariam de um mero conjunto de terroristas maltrapilhos que já teria desaparecido do mapa pelo menos vinte vezes nos últimos nove ano. Como facilmente se verifica, tal narrativa pouco tem a ver com a realidade.

Os três pastelinhos e o turco bigodaças


A Turquia é, talvez ainda mais que a Rússia, o modelo do estado charneira, com um pé em cada um de dois mundos divorciados. Talvez por isso tenha o condão de ser uma comichão incómoda no vazio de idéias sobre o qual se vai pachorrentamente construindo uma união económica e política sem qualquer coisa que se pareça mesmo ao de leve com uma direcção estratégica.

Talvez valesse a pena, nesta altura, perguntar aos cidadãos da UE se esta deve crescer ou ficar assim mesmo. Assim de chofre, estou em crer que os cidadãos seriam avessos a qualquer alargamento.
Afinal de contas, o tempo das velhas potências terminou definitivamente no meio do mais tremendo banho de sangue da História, e desde então as nações da Europa limitaram-se a uma existência de viúvas abastadas, que lentamente consomem o espólio do defunto enquanto queimam o tempo em intermináveis jogos de canasta e falam mal da vizinha russa, uma ingrata que nunca se deu bem com o resto da família.
Ainda assim, uma vizinha russa que acabou por, na sua queda, proporcionar alguma comoção e o acolhimento apressado de alguns dos seus afilhados tão subitamente largados na rua. As viúvas chamaram a este alargamento um passo estratégico. Lá terão as suas razões...

Assinale-se que este passo estratégico foi decidido ao mais alto nível, sem que os cidadãos da UE alguma vez fossem chamados a pronunciar-se directamente sobre o assunto.

Por entre duas chávenas de chá com um farrapinho, as viúvas ainda ponderaram convidar o turco, primo afastado, para os jogos de canasta. Mas nunca se percebeu muito bem se era assunto sério ou leviandade momentânea das velhotas. Agora como antes, a Turquia é Ocidente às segundas, quartas e sextas, e Oriente nos dias restantes, uma situação equívoca e demasiado complexa para as pobres viúvas, cujo cérebro já soçobrou irremediavelmente depois de tanta conversa mole sobre canasta e carapins. Mais tarde ou mais cedo, portanto, o equívoco teria de ser desfeito, de preferência com alguma dignidade. Infelizmente, as viúvas já nem isso conseguiram fazer, preferiram deixar o turco esquecido na soleira, condenado a esfregar os pés incessantemente num tapete áspero que acabou por lhe estragar as solas e a paciência.

Em abono da verdade, deve dizer-se que a maior parte das viúvas não se interessou muito pelo assunto, talvez porque estejam já tão tomadas pelo Alzheimer que nem tenham reparado que a Turquia estava à porta. Mas há três velhotas particularmente fiúzas que não deixaram escapar a oportunidade de meter o seu veneno, por razões distintas. Ratzinger, Merkel e Sarkozy, à conta da cultura ou coisa que o valha, tudo fizeram para espantar o turco.

Bom, imaginemos agora que as viúvas finalmente esticaram, deixando a geração seguinte entregue a si própria... Que cenário enfrenta esta ?

Quatrocentos milhões de cidadãos mantidos na ilusão da superioridade, subitamente confrontados com a inoperância dos seus modelos económico, político e cultural num ambiente globalizado onde vence o melhor e mais barato. Fim do jogo, dir-se-ia, a UE teria de se adaptar a uma redução drástica no seu padrão de vida para poder subsistir nesse novo ambiente, já que a alternativa de transformar a União numa fortaleza proteccionista teria como contrapartidas a derrocada do castelo de cartas dos seus capitais deslocalizados e a estagnação da economia no meio de um mercado que já está mais que saturado e que foi distorcido até ao limite para garantir a paz social.

Um problema... Mas não o único problema. Para aguentar por mais algum tempo a ficção, e porque do outro lado do Mediterrâneo as coisas não seguem por melhor caminho, o hábito da importação de mão-de-obra barata deverá manter-se, senão mesmo crescer. E aqui ganha corpo um problema maior, o da lenta invasão por um exército composto pelo escalão mais baixo entre os mais baixos da cintura islâmica. Julgamos conhecer o desenlace, já vimos situações semelhantes no passado, e quando as coisas pioram basta pôr de lado o verniz cultural, apelar ao chauvinismo e ao cacete, correr com os estrangeiros e deslizar para qualquer coisa próxima do fascismo.

Mas... Pode a UE dar-se a esse luxo no séc. XXI ? É duvidoso. Enfraquecida e cercada por quem muito justamente alimenta algum revanchismo, a UE vai ter de se haver com a seca e patética hostilidade russa e a antipatia activa de um mundo árabe canalizado para o eixo Turquia-Síria-Irão, abençoado pelos chinocas. Pouco auspicioso, o cenário.

E no entanto, tudo poderia ter sido diferente ( e talvez possa ainda sê-lo ). Ao apostar na ocupação da faixa de segurança a Leste, a única coisa que a UE conseguiu foi assegurar a animosidade russa. Uma atitude idiota, se pensarmos que à partida a Rússia teria todo o interesse em reforçar a sua ligação à Europa, já que o seu namoro com a China será necessariamente curto. Mas esqueçamos esse triste episódio, o mal já está feito... Restam duas outras frentes que deveriam suscitar um forte investimento.
Por um lado, a relação com a margem sul do Mediterrâneo... Investimento directo e aposta forte na formação e intercâmbio de quadros, como única forma de garantir uma aproximação cultural real. Absoluta restrição das tentações neocoloniais, já que o seu resultado é garantidamente desastroso.
Por outro lado, a Turquia... A sua posição geográfica é de um valor inestimável, tal como é inestimável a sua osmose cultural com todo o universo islâmico árabe e persa. Friso bem este segundo ponto... No seguimento da atitude insultuosa da UE, a Turquia tem vindo a reconstruir sob a excelente direcção política de Erdogan, ano após ano, a rede de interdependências quebrada com a queda do império otomano. E neste processo é digno de espanto o acolhimento favorável que a iniciativa tem tido nos antigos territórios vassalos, quando seria de esperar que a recebessem com uma boa dose de anticorpos.

Poderemos esperar que os cidadãos da UE, ou pelo menos os seus tutores políticos, olhem para esta questão com um pouco de bom senso e sentido de estado ? É duvidoso. Ratzinger está apenas interessado em aproveitar em benefício próprio a insegurança dos cidadãos, um benefício que se corporize na definição prática da UE como clube da cristandade desvalida, mesmo que para isso não tenha qualquer legitimidade, um pormenor que não o deve incomodar muito ( tal como, pelos vistos, não incomoda o nosso Policarpo ).
Quanto a Merkel, não se percebe muito bem para onde vai, pois os medos que se lhe adivinham poderiam ser facilmente contidos por regimes transitórios.
Quanto ao petit Sarkozy tudo é mais claro, pois se trata de um revivalista que acredita na reconstrução de l'empire. O tempo se encarregará de lhe mostrar que l'empire já era, pena é que talvez não haja tempo para corrigir o tiro.

O RSE e restante família

Parece que alguém  acordou.
O registo electrónico de informações individuais na área da saúde, sendo muito vantajoso do ponto de vista técnico, levanta dois problemas sérios, o da confidencialidade e o da fiabilidade.

No que respeita à confidencialidade, pode e deve notar-se que um registo universal de dados da saúde dos cidadãos é um bolo demasiado apetecível e que é pouco credível a capacidade do estado português para o defender, dada a sua incapacidade para prevenir ou punir a corrupção.
Uma incapacidade que não nasce apenas da deliberada diluição de responsabilidades que tão bem serve os interesses de um elevado número de funcionários do estado, mas também de uma produção legislativa demasiado habituada a deixar portas abertas. A CNPD faria bem em reflectir sobre a dimensão da tarefa e o grau de responsabilidade que lhe cabe antes de benzer a criança.

No que respeita à fiabilidade, vale a pena estar atento à dimensão do projecto em curso. Se se limitasse ao registo dos diagnósticos ou até dos tratamentos, poder-se-ia pensar que a prudência dos clínicos seria suficiente para minimizar os efeitos da subjectividade ou do erro presentes nos registos.
O que é inquietante é que o projecto prevê o alargamento aos meios complementares de diagnóstico, o que, supostamente, habilitará os clínicos a fazer juízos mais pormenorizados. Ora, na verdade, neste ponto entramos na selva. Por um lado, porque não está implementado a nível nacional nenhum sistema de controle de qualidade. De momento o único controle é feito pelo prescritor, quando pela experiência adquirida ao longo do tempo fique ciente do grau de credibilidade dos distintos fornecedores operando na sua área.
Por outro lado, porque a centralização de um tão grande volume de informação pressupõe que a sua manipulação seja totalmente automatizada, de forma a evitar erros de transcrição. Mas para que essa automatização seja possível, é necessário que todo o percurso, que tem início na prescrição e termo no registo na base de dados central, seja absolutamente isento de ambiguidade.
E aí vale a pena referir que a filosofia seguida pelo estado nas últimas décadas ( nelas incluídos os anos posteriores ao fuzilamento do IGIF ) é estruturalmente inválida, mesmo do ponto de vista da candeia economicista que lhe vai alumiando o caminho.

Não seria útil dar início à discussão pública deste assunto ?

Saindo do armário

O clube católico agita-se, aterrorizado pelas tentativas de laicização do estado, uma reacção que seria compreensível há 40 anos atrás, aquando da reforma do ensino. Afinal de contas, foi nessa altura que em Portugal o regime de privilégio na utilização das instituições do estado para disseminação da crendice religiosa sofreu os primeiros golpes sérios desde a implantação da ditadura.
Um pouco adiante, a revolução de 74 abriu caminho à formalização nos textos constitucionais da separação entre o estado e a religião, uma característica democraticamente estabelecida e democraticamente mantida até hoje. E tendo essa separação sido tão claramente estabelecida há 34 anos atrás, então os esforços de D. Policarpo pareceriam deslocados, pois teoricamente não haveria hoje em Portugal qualquer utilização das instituições do estado para inculcar a religiosidade nos cidadãos desde pequeninos. Hélas, ficámos a saber há pouco tempo atrás que a Constituição afinal não vale o papel em que está escrita, e que na verdade os crucifixos e santinhos se mantiveram firmes nas salas de aula dos estabelecimentos de ensino público. À socapa. Durante mais de  três décadas.

Percebe-se o arrepio de D. Policarpo e a manobra que propõe, agora que o clube católico foi forçado a sair do armário... Trazida à luz do dia, esta situação já não é sustentável sem uma revisão da Constituição validada pelo voto dos cidadãos, e D. Policarpo não se sente seguro para propor tal coisa. Prefere tentar manter-se no terreno mole da semântica, crendo ser assim possível manter o status quo mudando apenas o nome às moscas.
Proponho a D. Policarpo que tenha a coragem de assumir com clareza as suas pretensões. Se quer o ensino público como veículo de propagação da crendice religiosa, então deverá coordenar com as forças políticas que o queiram apoiar a elaboração de um projecto de revisão constitucional em que os portugueses possam votar com total consciência. Nada o impede, a Constituição deve em cada momento reflectir com rigor os sentimentos dos cidadãos.

Pela minha parte, afirmo desde já muito claramente que um tal projecto não terá o meu voto. A razão é simples, parece-me um abuso grave a submissão das crianças, numa fase da vida em que não podem ainda fazer uso do juízo crítico, a um regime de treino pavloviano que lhes inculque a aceitação cega da crendice religiosa.

Santana Flopes das Arábias ataca novamente

A Turquia obteve um bónus inesperado, graças à incompetência dos gestores da política externa israelita.
Depois do affair Peres, depois de várias outras manifestações claras do desagrado turco pela situação no ghetto de Gaza, Israel incomodou-se ainda mais com uma telenovela exibida pela televisão turca onde os agentes da secreta israelita são mostrados como raptores de crianças, entre outras coisas. Como o governo turco se recusou naturalmente a intervir no assunto, Israel decidiu contra-atacar. Acordada com Bibi a intenção, Lieberman delegou no seu vice, Ayalon, a tarefa de dar uma ensaboadela ao embaixador turco.
Este, por sua vez, encheu-se de brios e optou por uma encenação que redundasse em humilhação pública da Turquia. A encenação não correu muito bem... Ayalon caíu na asneira de se vangloriar perante os fotógrafos, afirmando 'notem que ele está sentado numa cadeira mais baixa, que há apenas uma bandeira israelita na mesa e que nós não estamos a sorrir'.
Foi o suficiente para provocar uma crise diplomática grave, que forçou o governo israelita a pedir desculpa, não uma mas duas vezes ( o primeiro pedido foi considerado insuficiente pela Turquia ). Escusado será dizer, foi recebida com enorme aplauso em todo o mundo árabe a firmeza do governo turco, que marcou assim mais alguns pontos na viragem estratégica que encetou.
Uma vez que tenciono em breve fazer um comentário sobre a face europeia desta viragem estratégica, recomendo ao leitor uma visita ao Syria Comment de Joshua Landis, para melhor apreciar os efeitos regionais.

A adopção, a constituição e a assombração

A assombração é naturalmente o professor Marcelo, que não resistiu a atirar a sua areiazinha para a engrenagem.
Do pé para a mão e à falta de melhor, ocorreu-lhe apenas sugerir que a manutenção de restrições à adopção de crianças por casais homossexuais pode violar preceitos constitucionais.

Horror!... Pânico!...
Ou nem por isso. Mesmo que que seja pertinente a observação, há que lembrar duas coisinhas. Por um lado, que embora os casais homossexuais se possam apresentar em pé de igualdade com os heterossexuais num qualquer processo de adopção, este envolve uma terceira pessoa com um estatuto muito especial, a criança, cujos direitos constitucionais também não podem ser ignorados. Por outro lado, mesmo que, depois de um calvário de acusações cruzadas esgrimidas na praça pública, o legislador venha a ser obrigado a uma equiparação plena, os processos de adopção não morrem aí... Cabe unicamente às entidades tutelares, sejam elas instituições sociais ou tribunais, o direito e dever de construir a decisão final. No mundo real, esfumam-se aqui as dúvidas constitucionais do professor.

Casados de fresco

Portugal avançou, palminhas, palminhas.

Com o estabelecimento da igualdade de direitos dos casais homossexuais o país fica mais próximo de um ideal democrático baseado no respeito máximo dos direitos individuais.

Nesta frente, recebe assim um golpe profundo a doentia utilização da lei e dos múltiplos meios de coacção do Estado como ferramenta de imposição bacoca de estilos de vida. Uma utilização que, ainda por cima, é usualmente pouco nobre, pois, não tendo a frontalidade necessária para proibir este ou aquele comportamentos, as maiorias preferem habitualmente a interdição por omissão, ou a criação de meios indirectos de dissuasão. Todos os modos são bons para cumprir a vontade das maiorias...

Mas se esta revisão dos textos legais é positiva, convém não ficar desatento do contexto em que foi produzida... Tratou-se de um exercício vanguardista, como o prova a ruidosa discordância dos proponentes quanto à possibilidade de referendar o tema. E se esse referendo tivesse tido lugar, provavelmente iria no sentido da manutenção da discriminação. Desiluda-se quem pense o contrário, a sociedade portuguesa continua tão beata como há 30 ou 40 anos atrás, apenas vem substituindo os terços por gravatas.

Será também interessante a reacção do grande ayatollah de al-Ushbuna, Aníbal al-Boliqueimi. Irá vetar a lei ?... Vontade não lhe faltará, certamente, mas talvez prefira poupar-se a uma ratificação da AR que lhe empalideça ainda mais a máscara já tão puída.

E será mais interessante ainda ver como as forças políticas irão agora descalçar a bota das adopções.
Proponho uma solução. Proíba-se a adopção de crianças por casais homossexuais cujos membros não tenham filhos, durante os próximos 10 anos. Findo esse prazo, submeta-se então a questão a decisão da AR.
Hmmm... Vejo ali um leitor mais conservador a sorrir, dizendo de si para si : 'Ah, malandro, que afinal és tão moralista como eu'.
Pode o leitor mais conservador meter o sorriso em local apropriado. Se sugiro um período de nojo, não é porque considere perniciosa a educação de uma criança num lar homossexual. Julgo até que ela beneficiará pelo facto de ter à sua disposição um leque de cenários de relacionamento afectivo mais alargado. A minha relutância centra-se quase totalmente no tratamento discriminatório a que essa criança poderá estar sujeita, às mãos da beatice maioritária.
Não me saem da cabeça as imagens recentes de algumas mães que nas televisões, quando questionadas sobre a existência de crucifixos nas salas de aula de estabelecimentos públicos, não tiveram dúvidas em sugerir que, se os pais de alguns alunos não gostassem de ver os crucifixos, então que transferissem os filhos para outra escola. Este é o país real.

Montazeri está morto, viva o Ashura


Os pretextos sucedem-se, e são aproveitados até ao tutano.
Depois da morte de Montazeri, que mobilizou uma nova onda de protestos enquanto o poder se esforçava por abafar o assunto de forma burlesca, segue-se amanhã o Ashura, significativo para a facção xiita.

Como se tem podido observar, a oposição continua a tentar afirmar-se quase somente na arena religiosa, de forma a evitar que o regime monopolize essa fonte de legitimação. Um jogo que terá a sua piada mas que ao mesmo tempo cria algum incómodo, pois restringe a dinâmica da orientação política dos protestos.

Referi há algum tempo que me parecia que a manutenção da iniciativa nas mãos da classe média urbana, não sendo capaz de envolver outros segmentos da sociedade, poderia condenar a oposição a um lento e fatal isolamento. Ora, há dois segmentos parcialmente sobrepostos que se podem mobilizar, o operariado e as mulheres. O primeiro porque tem vindo a sofrer em primeira mão as consequências de um longo período inflacionário, o segundo porque a subalternização da mulher sob domínio xiita se coaduna cada vez menos com uma estrutura social em que cresce o número de mulheres que acedem ao ensino enquanto as faixas mais largas da árvore etária se concentram à volta dos 20 a 24 anos.

As contradições são muitas, e é desconcertante assistir às movimentações de uma liderança claramente teocrática ( por convicção ou medo ) seguida por uma onda popular cada vez mais propensa a utilizar palavras de ordem anti-teocráticas.

E se é sinal positivo a expansão dos protestos a um número crescente de cidades, resta saber para onde se irá orientar, se subsistir, o descontentamento das classes mais baixas, numa altura em que a taxa de inflação desce para os 15% e se espera atinja os 10% nos primeiros meses de 2010.
A janela de oportunidade para um levantamento geral não é muito larga.